
Somos todos filhos e filhas de uma Promessa que fizemos a nós mesmos. Há uma semente inerente ao nosso Ser; recebemos talentos na medida de nossas possibilidades e, fazer com que rendam em abundância é a tarefa básica da existência.
A vocação é a voz de nosso mais íntimo desejo, a nos convocar para uma tarefa pessoal intransferível que representa a nossa contribuição singular ao universo.
Não foi especulando e lendo livros de filosofia que desvelei este tema tão essencial para cada ser humano. Foi no meu consultório, ao longo de mais de duas décadas sendo terapeuta, escutando a dor e o encantamento de pessoas a quem acompanhei no processo de cura e de individuação. Constatei, seguidamente, que a saúde plena não se reduz a um estado de ausência de doenças: é uma decorrência natural de um fluxo livre de individuação, de realização do nosso potencial inato, de alinhamento e transparência com aquilo que somos É o que traduzo afirmando que as enfermidades são advertências oriundas da inteligência profunda do organismo, anunciando que nos desviamos de nossos caminhos. Todo sintoma é denúncia de desvio, de contradição; cartas que recebemos com importantes mensagens existenciais. Nascemos para evoluir e adoecemos quando nos deixamos estrangular no curso singular de realização vocacional. Neste sentido, o sintoma psicossomático é um sonho orgânico que precisa ser decifrado, como se fora um texto sagrado, na sua dimensão significativa. A autêntica cura jamais pode ser reduzida à pura e mecânica eliminação do sintoma, decorrendo, isto sim, de uma escuta atenta e delicada de sua mensagem vital.
Há uma dimensão educacional na abordagem holística em terapia. No seu sentido original, educação provém do latim educare, significando trazer para fora a sabedoria inerente ao indivíduo: atualizar o seu potencial vocacional. Aprender a fazer plena e inclusiva escuta e leitura da sintomatologia como denúncia de descaminho, é uma importante etapa no caminho do autoconhecimento e individuação.
No Antigo Egito, o abutre era considerado um pássaro sagrado que constava do Panteão de Rá. Se você está fazendo uma travessia pelas areias abrasantes de um deserto, e avista um abutre voando no céu acima de sua cabeça, saiba que você se desviou do seu caminho e o agourento pássaro aguarda a sua refeição!... É hora, sem demora, de voltar-se para a bússola e o mapa para um processo de correção de rota. Da mesma forma, quando as asas negras da doença, do infortúnio e depressão circulam o céu da sua existência, a atitude sábia é a urgente e reflexiva busca de retomada do seu eixo original, do seu norte existencial, ou seja, da sua vocação.
Por outro lado, também necessitei de muitos anos na escuta terapêutica para constatar o lado luminoso desta mesma questão. Assim como o sofrimento pode nos indicar acerca de nosso desvio, é o deslumbramento que sinaliza o nosso acerto, quando estamos nos alinhando com o nosso propósito essencial. Escutar os momentos estrelados de bem-aventurança é um complemento indispensável à escuta da dor. Quando badalam todos os sinos da Catedral do Ser, quando tudo vibra em harmoniosa melodia, quando somos abençoados por uma imensa paz, é quando estamos sendo tocados pelas asas brancas do anjo do deslumbramento, a sussurrar em nosso íntimo:
Este é o teu caminho com coração! Não temas; vá por aí!
Eis a pergunta fundamental, que todo educador, orientador e terapeuta deve fazer ao seu acompanhante:
O que te faz arrepiar?
É assim que, pouco a pouco, farejamos e desvelamos a promessa inerente ao ser de cada pessoa. Pesquisar o fio de continuidade que conecta todos os nossos deslumbramentos, da infância ao momento atual, é o mais eficaz método da tarefa pedagógica prioritária do desvelar vocacional.
É muito triste ouvir um pai ou professor dizer a um jovem: “Faça tal curso ou siga tal carreira pois é o que há de melhor no mercado atual”. Esta é uma ação corruptora e desviante. Até onde posso compreender, há duas atitudes básicas frente ao trabalho.
A primeira é a de quem trabalha para ganhar dinheiro. Esta é a atitude miserável e normótica, de quem dispersará o precioso dom da existência vendendo-se por algo sem sentido; é vida perdida.
A segunda é a atitude nobre e saudável: a de quem ganha dinheiro realizando uma missão, uma vocação.
Quando percorremos um Caminho com Coração, então o Mistério há de conspirar por nós, pois estamos fazendo a nossa parte.
“Você tem medo?
Olha esta grama, olha aquele pardal; o Pai cuida deles. Você vale mais do que um pardal. Por que o Universo não cuidaria de você?”, indaga a sabedoria Crística. Uma das artes da individuação consiste em evoluir de uma existência perdida e alienada para uma existência escolhida e ofertada.
É através da vocação que está ao nosso alcance superar o modelo da especialização. Esta última limita e minimiza o raio de visão e ação. No modelo vocacional, o aprendiz é convidado a fincar as suas raízes no solo fecundo de seus talentos particulares, a fim de reunir a seiva para remeter o seu caule rumo ao céu. Assim, o desenvolvimento de uma competência específica, o aprofundamento numa determinada área do saber e fazer humano, não castrará a visão de altitude, que desvela um horizonte amplo de sentido e de orientação.
Como diz o antigo preceito taoísta, o alto descansa no profundo. Não será o dharma ou vocação do ser humano, à moda do arco-íris de Noé, fazer a ponte de Aliança entre a terra e o céu?
Vá em rumo de sua vocação, menos que isso é trair sua existência.
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Crema Roberto. Saúde e plenitude. Um caminho para o Ser. Editora Summus, 1995, 1ª edição, São Paulo-SP.