26 de jun. de 2011

A eloquência da mentira




A MITOMANIA é uma tendência patológica relacionada ao hábito de mentir. O mitômano, diferente do mentiroso, cria suas histórias verossímeis e muito bem construídas, a fim de suprir alguma necessidade interior. Por Andrea Bandeira

A Pseudologia fantástica, mitomania ou mentira patológica são termos utilizados por psiquiatras para definir o comportamento habitual do mentiroso compulsivo. Esse comportamento foi descrito pela primeira vez na literatura médica em 1891, pelo psiquiatra alemão Anton Delbrueck. Mentira patológica pode ser definida como a falsificação totalmente desproporcional para qualquer finalidade em vista, que pode se manifestar ao longo de um período de anos ou durante toda a vida.

Normalmente, as mentiras dos mitomaníacos, ou mitômanos, estão relacionadas aos assuntos específicos, porém podem ser ampliadas e atingir outros assuntos, em casos considerados mais graves.

Justamente por não possuírem consciência plena do que se passa com eles, os mitômanos acabam por iludir os outros em histórias de fins únicos e práticos, com o intuito de suprirem aquilo que falta em suas vidas. É considerada uma doença grave, necessitando que o seu portador obtenha grande atenção por parte dos amigos e familiares.

Para Philippe Jeammet, professor titular de Psiquiatria da Criança e do Adolescente da Universidade de Paris, os casos evidenciam comportamentos mitômanos que não têm nada de verdadeiramente novo, a não ser a divulgação pela mídia de que foi objeto, isso, antes mesmo que se descobrisse que os fatos alegados não ocorreram. “A maioria das mitomanias é bem construída e se alimenta de histórias verossímeis”, explica Jeammet. “Assim, é lógico que as pessoas próximas se deixem atrair para o jogo, pois não podemos de todo modo começar a suspeitar que todos são mitômanos”, conclui.


Difícil diagnóstico e tratamento.

Não se sabe ao certo os motivos pelos quais a mitomania se manifesta. Primeiro, porque acarreta milhares de fatores sociopsicológicos da pessoa afetada e, segundo, porque enfatiza uma situação social, podendo, então, mostrarse eventual, dependendo das circunstâncias presentes na época em que o indivíduo está vivendo. Na maioria das vezes, é por desejo de aceitação daqueles que o rodeiam.

A cura do indivíduo reside muitas vezes na criação de um quadro de cuidados que associa tratamento combinado: medicamentoso e psicoterapêutico. Tal acompanhamento torna-se a parte mais importante, sendo realizado pelas pessoas que rodeiam o mitômano e que ele mesmo requisitou para ajudálo, com o profissional responsável. É importante nunca negar a ele tal acompanhamento, sendo esta a chave para a cura.


A mitomania foi descrita pela primeira vez na literatura médica em 1891, pelo psiquiatra alemão Anton Delbrueck (foto)
Mentira na infância

“O surgimento, em 1905, do conceito de mitomania infantil leva a matizar o otimismo do discurso sobre a proteção à criança”, resume o historiador Jean-Jacques Yvorel em sua apresentação na segunda edição da revista francesa Le Temps de l’Histoire, dedicada à repressão da violência contra crianças. Dupré, responsável pela criação do termo, quer dar uma demonstração cientí ca para justi car a reserva expressa pela medicina legal de sua época contra a con abilidade da palavra da criança. Ele vai fundamentar sua demonstração em bases teóricas, às quais aderem na época tanto alienistas quanto pedagogos.

A teoria de Dupré repousa em um postulado básico: a infância corresponde a um estado primitivo da vida, no qual a imaturidade siológica produz uma imaturidade mental, comparável a certo grau de debilidade. Em outros termos, na criança, a mentira é uma constante de natureza quase siológica. Segundo Dupré, todas as crianças mentem habitual e naturalmente. Essa característica só assume um caráter patológico em alguns casos. “Pode ser considerada patológica quando leva a uma necessidade de repetição”, explica o professor Philippe Jeammet do Institute Mutualiste Montsouris, em Paris. Ainda de acordo com o professor, o mitômano sempre sabe, no fundo, que o que ele diz não é totalmente verdadeiro.


imagens: shutterstock / reprodução
A mentira na infância pode ser considerada um comportamento natural. Nessa fase, a vida lúdica se faz muito presente e a mentira é uma constante de natureza quase fisiológica

“Na mitomania, a mentira é uma finalidade em si”, salienta o professor Jeammet. “Esse distúrbio tem sua origem na supervalorização de suas crenças em função da angústia subjacente.” A criança inclinada à mitomania e que constata que sua mentira é entendida como verdade, de acordo com os psiquiatras infantis tem um sentimento de prazer e de poder que pode facilmente incitá-la a recomeçar.

Há relato de caso de criança que estudava em uma escola de crianças com um nível social mais elevado e que se sentia inferior por causa disso. Ela, então, começa a contar histórias de viagens e passeios maravilhosos que fazia. À medida que os colegas acreditam em suas histórias e ela começa a se sentir aceita e interessante, passa a contar cada vez histórias mais incríveis.

Outras consequências
Ao serem expostos, os casos de mitomania tornam-se vergonhosos. Todavia, os mitômanos que buscam ajuda por vontade própria, pedindo a seus familiares e principalmente aos seus amigos, são considerados extremamente raros, pois eles conseguem perceber que estão sofrendo de um mal e desejam, acima de tudo, curar-se. O papel dos companheiros se torna extremamente importante na vida do indivíduo doente, já que eles que irão indicar os pontos e erros.

O indivíduo, ao não obter o apoio necessário ou ao ser recusado naquele grupo que participava, acaba por ser excluído de seus gostos e se vê sem aquilo que ama e deseja. Casos comuns demonstram que mitomaníacos envergonhados de si, pelo porte de sua doença, infligem-se o óbito quando abandonados por um parceiro, que não compreende a sua doença e o abandona, não acreditando na possibilidade de uma cura ou não restabelecendo os laços afetivos de antes.

O mitômano, principalmente aquele que reconhece sua doença e é abandonado por quem o rodeia, tende a apresentar piora no quadro, acarretando desejos inconstantes, profunda melancolia, depressão e desejo de suicídio. Dizer a verdade é um sofrimento para quem tem mitomania, uma forma de desequilíbrio psíquico caracterizado essencialmente por declarações mentirosas, vistas pelos portadores da doença como realidade. O mitômano geralmente acredita em sua própria história e a toma como fato. Essa característica faz que ele afirme um falso acontecimento com tanta certeza, que acaba por convencer seu ouvinte. Com o tempo, é natural as pessoas que rodeiam um mitômano perceberem a mentira. Porém, mais importante do que identificar a ação repetida de mentir, é reconhecer este ato como uma doença patológica.

• Suporte narcísico •

No filme VIPs - histórias reais de um mentiroso, o ator Wagner Moura interpreta Marcelo Nascimento da Rocha, atualmente preso por estelionato. A narrativa baseada em fatos reais, mostra a dificuldade de Marcelo em viver sua identidade. Seu prazer era imitar pessoas e se passar por elas. Na análise psicológica, ele é acometido por um transtorno de personalidade em que o sujeito cria um mundo imaginário, no qual as mentiras contadas em série definem a doença conhecida como mitomania




O mitômano passa a contar histórias que não são totalmente improváveis e muitas vezes têm algum elemento de verdade. Em certo grau da doença, a pseudologia fantástica pode também apresentar a síndrome de falsas memórias

Diferenças importantes
Podemos dizer que o discurso do mitômano é muito diferente daquele do mentiroso ou do fraudador, que tem finalidades práticas. Para estes, o objetivo não é a mentira, sendo ela apenas um meio para outros fins. Para os mitômanos, a mentira é uma forma de consolo por algum motivo criado em sua mente.

Esse distúrbio tem sua origem na supervalorização de suas crenças em função da angústia subjacente que está muitas vezes unida à angústia profunda, ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e à depressão.

Justamente por não possuírem consciência plena do que se passa com eles, os mitômanos acabam por iludir os outros em histórias de fins únicos e práticos, com o intuito de suprirem aquilo que falta em suas vidas

Vamos usar como exemplo clínico o caso de uma criança vítima de violência física de um pai alcoólatra. O pai, sempre que estava bêbado, a espancava. A criança passou a desenvol­ver um quadro depressivo e a apresentar em momentos que se sentia muito ansiosa, alguns comportamentos obssessivo-compulsivos. Começou, a partir daí, a contar histórias na es­cola de como tinha um relacionamento maravilhoso com o pai, que passeava com ele no final de semana, que iam à praia e jogavam futebol juntos.

Apesar de o mitômanoe sabe que o que ele diz não é to­talmente verdade,s ele também sabe que isso deve ser verda­deiro para que lhe garanta um equilíbrio interior suficiente. Em determinado momento, a pessoa prefere acreditar em sua realidade mais que na realidade objetiva exterior. Ela tem ne­cessidade de contar essa histó­ria para se sentir tranquilizada e de acordo consigo mesma. Em geral, essa manifestação deve-se à profunda necessidade de apreço ou atenção.

Dizer a verdade é um sofrimento para quem tem mitomania, uma forma de desequilíbrio psíquico caracterizado essencialmente por declarações mentirosas, vistas pelos portadores da doença como realidade

As características do com­portamento pseudológico fan­tástico consistem em histórias contadas que não são totalmen­te improváveis e muitas vezes têm algum elemento de verdade. Elas não são uma manifesta­ção de delírio ou algum tipo de psicose mais intensa: durante o confronto, o contador pode admitir que elas sejam inverídicas, mesmo que a contragosto. A tendência mentirosa é duradou­ra e não é provocada pela situação imediata ou pressão social, tanto quanto ela se origina de vontade inata da pessoa para agir em conformidade com algo ou alguém.

imagens: shutterstock / reprodução
Casos comuns demonstram que, ao serem expostos na mentira, mitomaníacos sentem-se envergonhados, porém, a busca de ajuda por vontade própria é rara


Definitivamente, o comportamento do mitômano é causado em decorrência de um motivo interno. As histó­rias contadas tendem a apresentar o mentiroso favoravel­mente. Por exemplo: a pessoa pode ser apresentada como sendo fantasticamente corajosa, saber sobre algo impor­tante ou estar relacionada com muitas pessoas famosas.

A pseudologia fantástica pode também apresentar a síndrome de falsas memórias, em que o doente realmente acredita que os eventos fictícios tenham ocorrido, independentemente de serem eventos fantasiosos. O doente pode acreditar, por exem­plo, que tenha cometido atos sobre-humanos de altruísmo e amor ou atos igualmente gran­diosos do mal diabólico, como o caso da criança que dizia, em alguns momentos, conversar com o diabo e que, nesses momentos, ela tinha o poder, que o diabo lhe dava, sobre a vida e a morte das pessoas. Assim, ela podia decidir quem iria viver e quem iria morrer.



Na mitomania, o discurso é muito diferente do mentiroso fraudador. Este tem a mentira atrelada a algum ganho m,aterial. Já para o mitômano, a mentira é uma forma de consolo criado em sua mente

Entre ficção e realidade
No entanto, outra faceta do distúrbio se apresenta quando o doente é repetidamente solicitado a recitar listas de supostas injustiças contra os outros. Estes eventos ocorrem quando uma pessoa está confinada involuntariamente e privada de sono. Estas duas condições (confinamento, por qualquer motivo, e privação de sono) são momentos que vivenciados como excessivamente estressantes e que alteram a capacidade de raciocínio.

Não existe o termo pseudologia fantástica, mitomania ou mentira patológica em nenhuma das edições dos manuais diagnósticos (CID-10 e DSM-IV), dificultando assim os estudos epidemiológicos. Segundo o psiquiatra holandês Delbruck Wiersma, deve haver alguma evidência de um prejuízo na distinção entre ficção e realidade para se realizar um diagnóstico de pseudologia fantástica ou mitomania. Por outro lado, a pessoa que possui o hábito de mentir deve manter alguma capacidade de reconhecer sua trapaça ao ser confrontada com as evidências. No entanto, eles buscam frequentemente mudar suas histórias, diferenciando dos quadros delirantes. Além disso, as histórias na pseudologia fantástica são primariamente estimuladas por motivos internos, psicológicos (ex: regulação da autoestima ou realização de fantasias), mais do que por motivações externas (ex: ganho financeiro ou preocupação em evitar punições). Infelizmente, poucos estudos têm se dedicado à questão, permanecendo a dificuldade para diagnóstico desses casos.


Andrea Bandeira é psicóloga graduada pela PUC-RJ, psicoterapeuta com formação fenomenológico-existencial pelo Núcleo de Psicoterapia vivencial (NPV), especialização em Psicossomática pelo Instituto de Medicina Psicossomática (IMPSIS), extensão em Neuropsicologia pelo Centro de Neuropsicologia Aplicada (CNA), especialização em Neuropsicologia pela Santa Casa de Misericórdia (RJ) e Neuropsicóloga do Grupo Sanare Saúde Integrada (21.2494-7004 - www.gruposanare.com)


Eu encontrei esse excelente texto da psicóloga Andréa Bandeira no facebook e estou publicando em meu blog com as devidas referências das fontes. Espero que gostem. Paz Profunda!




Referências bibliográficas:
WIERSMA, D. On pathological Lying (1933); J. Pers. 2: 48-61 BIRCH, CD; KELLN, BRC; AQUINO, EPB. A review and case report of pseudologia fantástica (2006); J. Forens Psychiatry Psycol. 17: 299-320 DIKE, CC; BARANOSKI, M; GRIFFITH, EE (2005). “Pathological lying revisited”. The Journal of the American Academy of Psychiatry and the Law 33 (3): 342–9



Psique


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4 comentários:

angela disse...

Realmente um bom texto e bastante esclarecedor.
Obrigada pela partilha.
beijo

Penélope disse...

Amiga querida, tantas coisas simples na VIDA, mas quando menos esperamos descobrimos que as pessoas são tão complexas...
Eu não sabia com tanta profundidade desta patologia.
Confesso que muita coisa me surpreendeu!
Abraços cheios PAZ!

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Olá Norma. Excelente texto, muito bem resumido e detalhado nos pontos principais. Para mim, foi uma aula. Não sabia de tudo isso. Enfim, é uma doença e precisa ser tratada. Beijos.

Anônimo disse...

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